cabotagem

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quanto mais te calas
grassa um calo seco.
e ata a tua garganta

quanto mais espaça
mais denso o lastro.
calcária espera de janela

quanto mais te partes
mais descreves arcos.
estreita cabotagem de si

pois se não te podes ir do amor
e jeito não há ao todo querer
peças por júri, mora, apelação

se já não há nada que é certo
já não é nada que saibas.
que te faças onde te perdes

e nisto de ancorar, defeso,
no tempo rabisque barcos
longas redes lançadas a
recolher quintais

de vascos, cabrais, fernãos: nada
nem cabos, naus ou terra nova.
nem amor que vá onde não há

só um compasso de parcos metros
só o impossível desfazer amarras

só o balanço das águas
no baixo do cais

e vertigem de amor
à beira mar

samba sem graça

portavocê me dispensou
dizendo que nunca
devia ter sido meu amor
eu, antes só sorte, virei fumaça
meu tempo de graça terminou

e agora onde ando, meu bem
eu só vejo, embaraço, teu desdém
não é justo o veredito do amor
não te troco por ninguém

toda rua onde passo, meu bem
eu vou torto, não disfarço, me convém
não me cabe outro amor, satisfação
sou o rei dos zés-ninguém

você me escutou
cuspindo meu samba
que não mais servia ao teu amor
eu, de quase morte, chamei cachaça
meu livro-de-letras mandingou

e agora onde ando, meu bem
só me vejo, entre abraços, passo bem
é tão torto o veredito do amor
você já não é vintém

toda rua onde passo, meu bem
me amassam, vou aos braços, qual neném
estou cheio de amor, no coração
já não quero mais ninguém

tanto passado

spiral

1
a gente é tanto o passado
história recontada de nós

a chuva que lá nos molhou
as mesas que partilhamos

as cartas que escrevemos
quem não mais retornou

2
o tempo sempre tão agora
em dobras que trago de ti

nas valsas que escutamos
o corte que não cicatrizou

todas as noites do mundo
sede fome saudade e café

3
ninguém vai embora de si
não há senão reencontros

o livro que você tanto leu
e os textos que jorram daí

longo arco pra tuas viagens
a portos nunca longe daqui

samba pra me despedir

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não quero perder o bonde
que vai me levar de ti
na mesa deixei o fel e o batom
e já me vou a sorrir

das tralhas vai quase nada
só os Tons que mostrei a ti
não quero que ouças sobre o amor
que não soubeste sentir

quero o vestido mais bonito da avenida
e esparramar meu coração
sei que é preciso uma dor de despedida
pra restaurar a ilusão

o carro já vem na esquina
não cabe nem mais senão
deixei sobre o armário a conta de luz
ao lado da solidão

te peço que regue as flores
não tome um não como o fim
se a sorte tocar teu peito, meu bem
verás ainda um jardim

quero o vestido mais bonito da avenida
e esparramar meu coração
sei que é preciso uma dor de despedida
pra restaurar a ilusão

Link para a canção

[a letra é minha e a melodia é do querido amigo Cometa]

caronte.br/manifesto

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feras em sulcar a terra
somos bons em túneis.
ases em fazer voragem
cavamos como a nadie.

fossos em poucos dias
poços de longa queda
fendas, cavas ou furos
descemos like nobody

é tão linda a parede de
terra que jaz sobre nós
sombra e frio nos ocos
dos sítios de lama e pó

special prices: toll-free!

neste perau dos povos
vendemos trincheiras
e coutos a quem teme
a treva do mais-de-um

e viramos paz em pás
para te dar a graça de
um abismo privado só
very important person

para que gastar em asas
se te entregamos covas?
fast track para chegares
ao lado avesso da cidade

watch out & vote for us!
make Brazil great again

[o tribunal eleitoral avisa]
[contém 9 doses de ironia]

amor jobim

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há papéis sobre a mesa
que eu mesmo escrevi:
tantos planos de curso
gente que desenhei
as perguntas pra tudo
País que atravessei
numa viva matriz…

pincéis

sublinhei em laranja
a palavra amor:
nas letras de itamar
livros de mia e rosa
nas meninas do Vale
que eu mesmo escutei
telas de beira-mar…

azuis

há quarenta e seis dias
faço a casa em sol
linhas tênues borram
sonhos que desenhei
e me faço mais cinza
me começo outra vez
é preciso remar

te chamei

para provar as noites
ser menino ao tempo
vamos brincar lá fora
mergulhar no sereno
e viver só de tons

amor jobim

é dormir nos teus braços
para perder as festas
é quando queres muito
e é quando não pensas
quando vai quando quanda

a saturno

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eu me deixei partir
quando te encontrei
fui a Saturno em transe
por uma hora a mais

o sol se põe em ti
todos os dias são
agoras universos
sede no meu olhar

se quero esquecer
onde o espaço abriu
faço-me Virgem casto
para escapar de ti

mas os anéis são meus
mora um Clown aqui
eu me reviro inteiro
pra retornar a ti

e me deixar partir
quando te encontrar
ir a Saturno em transe
por uma hora a mais

samba da intenção

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ando inteiro
só quando posso
já não há muito
onde faz nó
meu coração

não leve a mal
nem sempre venho
de tão trocado
já perdi
a direção

se acaso és dona
do mundo
te confesso
me cansei
de ilusão
 
mas se é sincera
tão nova história
todos já sabem
tens de mim
só devoção

vê, pois, meus olhos
em pedaços
são janelas
onde sou
só intenção

sou passageiro
não quero nada
e vou calado
qual as cinzas
de um vulcão

se acaso és dona
do mundo
nada posso
já não quero
outra ilusão
 
mas se é sincera
tão nova história
todos já sabem
tens de mim
só devoção

Calcutá

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lua em vermelho e
os dias em Calcutá
de esquinas e nãos

volto a beber areia
torna a teia em tez
o nada não tem fim

o tempo come tudo
água se faz em sais
o verde em ilusões

faíscas à beira mar
de fronteiras azuis
e pás de reversões

faz frio e há fumaça
e a nau deve zarpar
fazer o corpo em nós
se quero o teu lugar

de Djavan bebi o a
de Caetano o seu cê
Julinho nem cantou

vai roto um manual
caducas as sessões
e o tempo explodiu

vento veio por fins
longe se pois perto
e o cais se encostou

o medo é que o amor
tão e tanto ancorado
queira partir de mim

faz frio e há fumaça
e a nau deve zarpar
fazer o corpo em nós
se quero o teu lugar

longe, outro e capa

princesa
usei demais as luvas
que ganhei de ti

e já esqueci
minhas mãos

onde é pano
onde sou
onde és

fiz-me um nó
cola de ti
sombra, talvez

talvez

talvez eu
nem saiba quão
rígido e frio
meu aceno
se fez

deixei de sentir
o trinco da porta
a pele dos pêssegos

deixei de pegar
a água dos olhos
o rosto cansado

um buraco
nas mãos eu sou

e passei a sofrer

de um tipo de
nada
de um tipo de
capa
de um tipo de
longe
de um tipo de
outro

até o tempo
voltar

até me escorrer
dos teus dedos

me socorrer
de ti