falta de tino

nos tais dos amores
nunca fiz volume de
me evitar

cada um são necessárias
armadilhas que o
tempo nunca desarmou

hora nenhuma pesei a palavra
amor em conta de
tiro atirado

não. tenho os amores no
dever de sombra fresca
na hora a pino da roça

ali é que são todas as
sonolências, gosto ralinho
de acabar o sol.

Mas o amor mesmo, no
oco cavado e seco de
cada garrafa

o amor é mal-jeito no peito
vesgueira súbita no
diário capinar

é o mais vivente de todo
tipo bravio de sagrados
desesperos

o amor é como aviso de morte
do irmão que a gente nem
não conheceu

fui a palavra

eu me vesti de palavra
foi pra tua boca me usar

sem o tempo de outro gosto
não fui que não ser cuspido

fui teu grito no quando do amor
o parido que furtado de ares

fui a pedra na tua fala
o pro-inferno que você fez mandar

fui o doce do teu sorriso felino
em tantas horas do teu brincar

fui tua voz transtornada
o calado no torto do teu silêncio

fui tua angústia engasgada
a estreiteza do teu sussurro

e me fui falado, bichinho,
fui teu pedaço na letra do Chico

fui o conto no teu ninar
o balbucio na madrugada

fui a tua palavra encolhida
o segredo nas tuas cirandas

e fui tua coleção de verbos
fui os teus pontos e mas

fiz um novelo na tua língua
pra ser o depois do suspiro

eu me vesti de palavra menina
pra ser pedaço da tua história

uma curva nas tuas páginas
o tanto que alguém vai narrar

livro dos nós

é como aquele inteiro ano
infinitas curvas de rodas d’água
fosse um amanhecer de dia santo

faz um silêncio em floração
feito aqueles milagrinhos
no pouco das frestas na calçada

vai existir um outro tempo
um estar na cama, que é a
conta entre culpa, angústia, solidão

o pão conhecido em detalhe novo
um café a tornar-se frio, e os
pés no gelado do ladrilho

a gente tem um querer solto
arisco em ser qualquer coisa
pensa que é água, que é vento

que desdobra em toda orgia
de pensamento: poda o capim,
corta o baralho, proseia a cachaça

vive o sublime do joão-de-barro
no enquanto a gente se basta
é auto em toda coisa pequena.

não nada. não tarda a existência
a tornear no dentro um vasinho
de doença, um zumbido, uma coisa

o tempo entornado é tudo oficina
e o querer sem fronteira o barro
do vaso, a fria matéria-prima

a gente sonha lampejos de paz
e só desadoece quando não existe.
todo dia que acaba é só tratamento

se há graça, está na vigília,
no fardo de terra que se alivia
no tempo-de-aleluia de um enxergar

cada inteiro ano é então pó
pedra-sabão que a hora vai roer.
chão, relevo, sonho e só

mais infâncias

a infância é um caminho,
sempre é.

naqueles dias fazia da
colorida capa do edredon
nossa máquina-do-tempo

dali viajamos a todas as terras
de dinossauros: latiam lá fora
enquanto a gente se encolhia
em pânico-gargalhadas

dali evaporamos ao futuro de todos
os carros e gente voadora: lá fora
robôs soldados a latir em ameaça

aquele jardim era uma passagem
cada planta, pedra, bicho
tudo emprestava pra gente o
feitiço de ser outra coisa

canibais por detrás das moitas
ninjas escalando o telhado
a terra que engolia tesouros
areia que matava a fome

tudo como se com vontade
razão e movimento

devo ser
que me explico
pela máquina-do-tempo:

este agora é um futuro
que me abraçou pesado
enquanto carrego
o quem-sabe poder voltar

de quando em quando
penso ouvir o cachorro
misturado a criança, café
e bolo de cenoura

vai ver é que a gente
corre muito
que é pra não estranhar
o mesmo jardim, o sempre
edredon e o susto
de que não vai crescer

foi

sempre vai uma cabeça ingênua
nas longas comitivas da gente.
quando um moleque, boi-de-piranha
a sacrificar em travessia o preciso.

um assum-preto a varar na
cerca os próprios olhos.
uma raposa a roer na
armação a própria pata.

a onça a mastigar filhotes.
Chronos, chavelhudo, a
dilacerar cada cria derradeira,
essa sua tanta condenação.

a dívida não há quem pague.
o poço não há quem seque.
a foice não há quem pare.
a febre não há quem tire.

atire, outra cabeça.
sangra na curva em pirambeira.
perde um pedaço, farto, parto
que é pra cursar, calado,
nova ribanceira.

indagação, mais nada

do outro lado da palavra existe o quê?
o quando? o quem? o qual?

o sorriso e a angústia do pescador?
as mãos e o pânico do alpinista?
o coração que bate na sua boca?

existe o quê? se
do outro lado da palavra mora um espelho,
imagens do nada
andar vazio
o depois do incêndio.
convém?

***

a palavra não-é.

aqui escrevo sustos
impressos no meu tempo,
enquanto toda idéia é um não-saber
abro buracos em cada sentença

a palavra é minha sentença.
ela pensa, quando pensar é não-ser.
o afundar no poço de cada escolha

por quê não falo?
a palavra é arremedo, imitação, poesia.
é ponte entre mundos que não habito
onde não existo

linha de costura a nos enganar
finge cerzir o pano invisível da existência

na palavra:
sujeitos sem pátria
silêncio e labirinto

na palavra:
hei de também não existir

decalques

a menina é o lampejo de uma promessa.

ela nunca entendeu-se
porque seu tempo-em-ser
é sempre não mais que
a sombra de um vôo
do pássaro em fuga

a menina é um tipo de
náufrago que emerge
vez ou outra no batido
oceano de suas fronteiras

ela é o susto na montanha russa

viaja indefinida na máquina-do-tempo
arrancada de seus algarismos.
e vai ao sem-fim…

um quase, em quase
todas as horas. é aquela
que brota fátua no impreciso
tempo das tentativas

notória e pálida certeza
do desejo que haverá amanhã.

ela é sombra? não.

é por isso tudo, bela.
bailarina em existência misturada
à multidão, e seu contorno
perde-se no rosto de
tudo o que vive

viva corrente no leve
e livre manuseio da linha
a cerzir impossível,
desejo e fracasso.

moça-assustada;
não é preciso não.

é isto impossível,
o espacial abismo aos teus pés
a tua virtude

cada laço encontrado
das tuas amarras é
o ninho quando
brilha teu rosto

todo tropeço
um trapésio a te
lançar ao sublime.

cada incerteza e esquina
o decalque, teus dedos
no rosto da tua tribo

você é, porque não.

e toda tua falha
te aproxima
e me aproxima
de mim

contenda

urna
a prótese eletrônica
não engana nada
o encantamento

as urnas são velhas
bocas banguelas
em cíclica reinvenção
das coisas das cidades

boca faminta
devoração de desejos
mastigação autofágica
digestão…
digestão…
digestão…

barriga cheia
indigestão
nutrição-sã
intoxicação
excremento
movimento
excremento

tua cabeça alimenta
as ruas e as hienas.
e tu sabes!

então: sujeito ou salsicha?

resistências

a porta é fechada.
e em toda palavra
mora um quarto escuro

o pouco das falas
não é que é a gente
mesmo. Não moça.

o silêncio é a
barriga grávida
dos nossos destinos

é um menino que
vai beber da luz e
desenganar da solidão

como em toda novena,
cada conta é um pedregulho
na aragem das mãos

cada palavra uma conta
um calo no dorso do tempo,
Parrão a me cobrar.

[madrugada na roça. escuta o eco que faz]

o silêncio é um jeito
arisco de não estar
na mira das vozes

a palavra parada
tem os olhos fechados
no esconderijo de si

e o pior cego?
aquele que tem
medo de ver

porquê o querer é
só uma bala atirada.
é sem importância.

quem manda mesmo
são outros macacos,
outras resistências

pausas

Fumaça nos olhos: difícil escrever. É o porquê dos dias de pausa. Mas não se trata de poesia vazia, ou de sujeito calado. Não desisto das letras, tampouco temo errar nas novas regras gramaticais. Não, não. É mais…

A cidade está fria e cinza, mas é só nas aparências. Por aí os dias seguem na efervecência do tudo pode acontecer. São dias de disputas, onde tudo vale voto e projeto. Dias de sobe e desce. Dias da grande crise que temo e desejo. É um tempo de fazer escolhas, como são todos os dias.

Mas sérá que a gente se lembra mesmo que pode escolher? Será que a gente consegue ver diferenças? Que há uns e outros? Que há histórias em jogo? Que há telenovelas e romances disputando nossas cabeças?

Estes são dias para leituras. Tempo para exercitar os olhos em enxergar silêncios e contrários. Quero ver narizes a farejar velhas armadilhas. Eu quero ter um Outubro em homenagem à memória. E te convido a produzir perguntas. Vou começar:

Se a gente chamar uma raposa de bem-te-vi, ela vai parar de roubar galinhas?