casa de vozes


eu moro em uma casa de vozes
eu moro mesmo entre as palavras
moro nos sujeitos, moro no verbo
moro nos pontos, poros, entrelinhas

eu tenho amigos nessa casa
e moro nas suas tantas sentenças
ora moro no amor, ora nas desavenças

se tenho respostas pra todas as coisas
nas perguntas é que eu moro mais
na não-coisa em que a coisa-se-faz

eu moro em uma casa de vozes
eu moro nesta amarra de nós

e sei gostar dos que desato
e também do que empedra
do que não vai
que não se diz
que não se inscreve
em cada um de nós

insistências

concrete-wall-3176815_1920não há verso
cansado demais

as aves sim
se cansam
os homens sim
se esquecem
as pedras sim
desgastam
e todo tempo
longo se esvai

mas palavra
não cessa
e vontade
não passa

pois até os
mortos falam
nos vivos

memórias que
podem tanto
segredos que
mudam tudo
sonhos que
rasgam corpos

e até as paredes
quando escutadas
têm melodias
e conselhos
a dar

banhos-de-mar

sea-1246008_1920

e rasgam a minha pele grossa
os dias em que eu não navego
as terras de que não me perco
as luas que não vou encontrar

se me cabe acontecer no mar
o tempo no cais me des-espera
longos dias a me parir adentro
contra a maré à beira-de-estar

é tanto lastro no peito da gente
que nem todas as brisas levam
e nem todo mastro teso espaça
o nó que a gente enreda pra si

e até que a pele arrebente em litoral
vão pregos no tempo de quase zarpar
enquanto os olhos tramam dor e querer
me abrigam mudo em banhos-de-mar

remanso

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não invento segredos
palavras é que raleiam
quando não há porto ou cais

volantes como marés
cantos só são nos ouvidos
e som não vai onde nada há

então me pedes o que
carpideira de quem nunca vi?
o oco sussurro de quem já partiu?

não remendo silêncios
nem se alcança de salto
o vesgo do barranco

é no remanso das bocas
o teu rosário e noventa
torta ladainha em dó
a te fazer escutar

depois

e isto é o silêncio.

lágrima a
desfazer pedras
um outro jeito
aos olhos,
no de traz das touceiras
a espreitar os
nus e os perigos
de si

é um ocaso
desse jornalão-falso-transparente
que se publica
no esmo da
boca aberta, desgarrada

necessários nãos
a este tempo
de histórias contadas
de tudo
massas de gentes a
se revirar
na esquina, no retrato
no que sempre acham
de qualquer coisa

um silêncio para
encontrar o corpo
as paredes
os copos
a tosse
o amor
e a rigidez
de se saber
inescapável
um só

sobre o

escrevo a tapas
foice a descer
palavras

[dirrisso
coiceio
esperneio]

a lápis grosso
quebra-pedras
na minha boca

[descalo
arregaço
chumbo]

porque os silêncios
são os olhos
da gente
quando há medo
no enxergar

[galopo
espanto
escarro]

que é a desarrolhar
o estradão dos poemas

quantos nós

do leme ao cais
o que separa a gente
é uma vontade

as amarras não são
estorvos indecifráveis
nessas cordas vocais

tanto o querer não é
essa pombeira anzolada
nos nossos destinos

que nada. em jamais.

há um golpe soprado
do elísio na direção das
tuas sedes maiores

e a catapulta do tempo
a empurrar tuas sinas
pelos mares do barro

quanta hora de espera
a tolerar os lampejos
das novas paisagens

quantos nós a fazer
quantos nós desatar
quem de nós navegar

pausas

até quando houver razões
segue calada a moça-mão
das poesias

porque as leituras não
são a desembestar
madrugadas

porque cada oco é pra
ser vivido nos seus
próprios silêncios.

o que hoje fala é a rés
dos dias que estão
por figurar

e isto é para cada um
peão perdido neste
xadrez tabuleiro

essas veredas rudes
guardam também o
tempo da florada

difícil é acreditar nas
marcas disso que é
um termo

será o arremate de
toda obra que não
se viu fazer?

sina nas rochas pedras
do peito a segar o tanto
que havia em viver?

melhor calar.
os olhos
calhar

sons emprestados

essa poesia é som.
e só.
rito de emprestar
máscaras a esses avessos
de tanto barulho,
é a obra-de-bico
néscio ato de remendar o
Tao no meu peito
em papéis

nenhuma palavra basta
meu canto é a nesga
do que eclode nesse
Isso que tanto
me atravessa

fardo e deleite diários.
opero no meu texto
a rotulagem do infinito
mar de dejetos-desejos
que tomba destes interiores,
linha-de-produção sem
interlúdio, sirene, parada

suspiro em tentativas
de traduzir angustias
mas as palavras são
sempre fotos tremidas
tímidas cartas
edemas sem lastro
anátemas das
Reais sensações

resistências

a porta é fechada.
e em toda palavra
mora um quarto escuro

o pouco das falas
não é que é a gente
mesmo. Não moça.

o silêncio é a
barriga grávida
dos nossos destinos

é um menino que
vai beber da luz e
desenganar da solidão

como em toda novena,
cada conta é um pedregulho
na aragem das mãos

cada palavra uma conta
um calo no dorso do tempo,
Parrão a me cobrar.

[madrugada na roça. escuta o eco que faz]

o silêncio é um jeito
arisco de não estar
na mira das vozes

a palavra parada
tem os olhos fechados
no esconderijo de si

e o pior cego?
aquele que tem
medo de ver

porquê o querer é
só uma bala atirada.
é sem importância.

quem manda mesmo
são outros macacos,
outras resistências