tudo arde ao redor

tudo arde ao redor

o tempo queima

os olhos o sol o som

.

todos doem em mim

cinzas chumbo corpos

a pele a sala de estar

.

o peito chama em vão

e existir é inflamável

nem há palavras mais

.

memórias ardem o dia

secos bilhetes digitais

desertos mais que miragens

.

e vivo em Plata Quemada

escondido machucado só

sem anjo que me leve daqui

.

a imagem é de Peter H por Pixabay

sete recortes para partidas

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I
você já era tarde;
no adeus,
o alívio me fez febre

II
já não estás;
eu, farta,
vôo ao próximo verão

III
nem o fiz um aceno;
saltava, sã,
noutra estação

IV
não te vi sair;
vigiava o arroz,
ligeiro mais importante

V
tantas vezes morri;
por te apagar
brotou-me como sorrir

VI
temia as memórias;
sozinha, aprendi
a lembrar o futuro

VII
parti quando calamos;
esse silêncio, só, é
a cantiga que te fiz

sete vezes

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vivi ao
teu lado

quase-ano
de cão

tudo somou
por sete

sete vezes
mais vontade

em caça
te converti

sete vezes
mais verdade

em pelo
te conheci

sete vezes
mais saudade

aos saltos
te recebi

sete vezes
mais faminto

aos rasgos
te carcomi

sete vezes
mais espera

de raiva
me envelheci

sete vezes
mais calado

sete vezes
mais cansado

sete vezes
corpo castrado

nas luas
me perverti

até abichar
meus olhos

até desabar
em patas

até desalmar
em ladra

a poesia
que escrevi

cascas

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pois as minhas quedas são dentro
não é que não vou; não vês

que quando anoiteço
é nas esquinas do peito
que eu tropeço cansado

e que mais amargo não há
que meu silêncio em pedaços

se me amarro? confesso
é nas curvas das minhas tripas
que eu escondo os descasos

e aposto que mais fundo não há
que os poços nos quais me atiro

diário me fiz casca grossa, verdade
o tempo só me inverteu as coisas
e para cada pétala… pau

porque mais ódio não há
que no andor do caminho

enquanto hora entristeço
hora me estrepo
hora disparo

aos faros eu caço
tão incansável
o que há de
bicho e
besta

aqui

longe, outro e capa

princesa
usei demais as luvas
que ganhei de ti

e já esqueci
minhas mãos

onde é pano
onde sou
onde és

fiz-me um nó
cola de ti
sombra, talvez

talvez

talvez eu
nem saiba quão
rígido e frio
meu aceno
se fez

deixei de sentir
o trinco da porta
a pele dos pêssegos

deixei de pegar
a água dos olhos
o rosto cansado

um buraco
nas mãos eu sou

e passei a sofrer

de um tipo de
nada
de um tipo de
capa
de um tipo de
longe
de um tipo de
outro

até o tempo
voltar

até me escorrer
dos teus dedos

me socorrer
de ti

engrenagens

carna

engoli a esquina
e esqueci o samba
morri em fevereiro

um trio elétrico passou
numa multidão surda
e eu restei em pó(ste)

se é triste partir?
pior é partir
no verão

quando não era pra isso
era pra ser só samba
era pra ser ciranda

mas eu caí; na algazarra
IPVA, IPTU, INTIMAÇÃO
meu peito estilhaçado

e eu, sequer, fantasia
eu não me fazia de herói
só beijos, só onda, só ar

mas meu tempo se escondeu
um pierrô me ocupou
e eu não vou mais brincar

prece

concrete

contraiu cimento

polvo opaco

que lhe

chumbou ventas

e por ques

 

andou a prumo

tartarugado

e fez de

seu amor um

adro (árido)

 

estacou a casa

arrimou a dor

e rejuntou as

frestas de luz

meticulosamente

 

e como pouco

 

armou um muro

que escondeu cada

verbo-de-liga

 

e fez a

cadeados

sua intenção

 

o rosto

caiado fez

descaso

do sono

do mundo

 

e ainda pouco

 

embotado

evoluiu a piche

até tornar-se

asfalto de si

 

e sob pressas

descansou

amarga

paper

não entendi

 

você se recobriu de febres

para tirar os olhos do amor

 

sugou 12 vidros de analgésicos

mimetizou-se oca em sua cama

chorou o tanto exato de uma represa

 

pintou as unhas de preto

raspou a sua cabeça

perdeu as botas vermelhas

retalhou o vestido lilás

 

descoloriu a cortiça

esvaziou as garrafas

nunca mais saiu à janela

deu para apagar as luzes

precisamente às 21 horas

 

não entendi

 

você se picou de cobras

para morrer incansáveis vezes

 

desapareceu no espelho

mudou o seu endereço

e cancelou 16 subscrições

 

elegeu outro sol no seu mapa

queimou o cartório: sua garantia

opôs-se ao jeito destro, que era o seu

e cessou de pensar em português

 

escondeu-se em infinitas florestas

atravessou empedradas montanhas

e nunca mais provou chocolate

sublimando-se em um bicho mudo

precisos 23 dias depois daquele não

 

não entendi

nunca entendi

 

era apenas

um não

 

ensaio sobre a partida

casa

tua morte chegou
numa sexta-feira

fazia frio na tua cidade

te puxou pelos cabelos
e tomou teu corpo
lenta e definitivamente
até te colocar um ponto

não houve medo ou dor
quando teu peito parou

só a brisa fria no teu rosto

teus olhos brilhantes
se alargaram até o final
não queriam te esconder
da luz que tanto conhecias

mas teu tempo estilhaçou-se
em minutos infinitos

e os dias de tua mãe cessaram

sem os porquês da tua boca
a vontade nos teus pedidos
o trânsito intenso do teu corpo
tuas cirandas na varanda

teu barulho ainda se escuta,
sustos, nesse monjolo-de-horas

na porta que batias furiosa
no telefone que avisava de ti
na música que batucavas
no tom em riste da tua presença

e tua ausência fez da casa a
lama mais densa que já existiu

quase nada se move
quase ninguém respira
a fé limita-se a um sufixo
quente que amarga a boca

só teu registro ficou impresso
em papéis, paredes e na pele

e a cidade nunca mais aqueceu

não houve mais justiça
festas não se repetiram
não coube mais intervalos
o beijo terminou sem gosto

tudo tornou-se impossível:
água, livros, noites, gente

vida em q.s.p. esperar por nada


escrevo sobre isto
sete anos antes de
da tua partida

uma alavanca
no sentido
que não haverá

tentativa de
processar

arremedo
de sentir

receita contra
o destino

ou
ensaio
para que
eu possa me
despedir
de ti

 

reumatismo

rust
pois sofria de
reumatismo
sintático

e dizia pouco:
encruzilhado
enroscado
doído

o diagnóstico
veio tardio

antes até lhe
imputaram
fama
de

econômico
seríssimo
rigoroso
focado
riste
juiz
lei

a

mas… não… não…
ele insistia em
não se ver
tão reto

e já na curva do tempo
um doutor prescreveu
diários banhos
de línguas

pois não mais
entrevou-se

e curou-se
por fim