parte de mim

water-1501291_1920
vai, é teu tempo de navegar
solta os laços
vai ter o mar
se há nós
te atando ao cais
toma o vento
e parte de mim

vai contigo sob o luar
noites tristes
são sempre assim
arremesso e arrebentações
tantos portos e solidões
e o mar não quer terminar
não há volta e onde atracar
se um naufrágio chamar por ti
pede ao tempo pra te enredar

melodias com teus irmãos
não ancora teu coração
vai às ruas vai caminhar
deixa o mar se esquecer de ti

numa esquina um dia comum
quando o sol já morar em ti
diz ao céu um verso qualquer
pede ao vento trazer pra mim

que te escuto tão longe amor
e tão longe é dentro de mim

Imagem de dakhlallah, Pixabay.

no dia de Iemanjá

abstract-2468874_1920

nos teus olhos
corre um rio tão fácil
de perder de vista
onde encontra o mar

no teu corpo
um remanso o tempo
onde me aposento
se quero me dar

todas as redes do mundo
todo o sertão em luar
todos os barcos que partem
no dia de Iemanjá

nos teus sonhos
eu me encontrei inteiro
eu virei passageiro
e deixei de esperar

nos teus contos
eu vi fazer a terra
onde enraízo as horas
e vou encontrar

todas as redes do mundo
todo o sertão em luar
todos os barcos que partem
no dia de Iemanjá

no dia de Iemanjá
no dis de Iemanjá

samba sem graça

portavocê me dispensou
dizendo que nunca
devia ter sido meu amor
eu, antes só sorte, virei fumaça
meu tempo de graça terminou

e agora onde ando, meu bem
eu só vejo, embaraço, teu desdém
não é justo o veredito do amor
não te troco por ninguém

toda rua onde passo, meu bem
eu vou torto, não disfarço, me convém
não me cabe outro amor, satisfação
sou o rei dos zés-ninguém

você me escutou
cuspindo meu samba
que não mais servia ao teu amor
eu, de quase morte, chamei cachaça
meu livro-de-letras mandingou

e agora onde ando, meu bem
só me vejo, entre abraços, passo bem
é tão torto o veredito do amor
você já não é vintém

toda rua onde passo, meu bem
me amassam, vou aos braços, qual neném
estou cheio de amor, no coração
já não quero mais ninguém

samba pra me despedir

streamer-3088458_1920

não quero perder o bonde
que vai me levar de ti
na mesa deixei o fel e o batom
e já me vou a sorrir

das tralhas vai quase nada
só os Tons que mostrei a ti
não quero que ouças sobre o amor
que não soubeste sentir

quero o vestido mais bonito da avenida
e esparramar meu coração
sei que é preciso uma dor de despedida
pra restaurar a ilusão

o carro já vem na esquina
não cabe nem mais senão
deixei sobre o armário a conta de luz
ao lado da solidão

te peço que regue as flores
não tome um não como o fim
se a sorte tocar teu peito, meu bem
verás ainda um jardim

quero o vestido mais bonito da avenida
e esparramar meu coração
sei que é preciso uma dor de despedida
pra restaurar a ilusão

Link para a canção

[a letra é minha e a melodia é do querido amigo Cometa]

a saturno

tea-lights-3612508_1920

eu me deixei partir
quando te encontrei
fui a Saturno em transe
por uma hora a mais

o sol se põe em ti
todos os dias são
agoras universos
sede no meu olhar

se quero esquecer
onde o espaço abriu
faço-me Virgem casto
para escapar de ti

mas os anéis são meus
mora um Clown aqui
eu me reviro inteiro
pra retornar a ti

e me deixar partir
quando te encontrar
ir a Saturno em transe
por uma hora a mais

samba da intenção

carbon-1406746_1920

ando inteiro
só quando posso
já não há muito
onde faz nó
meu coração

não leve a mal
nem sempre venho
de tão trocado
já perdi
a direção

se acaso és dona
do mundo
te confesso
me cansei
de ilusão
 
mas se é sincera
tão nova história
todos já sabem
tens de mim
só devoção

vê, pois, meus olhos
em pedaços
são janelas
onde sou
só intenção

sou passageiro
não quero nada
e vou calado
qual as cinzas
de um vulcão

se acaso és dona
do mundo
nada posso
já não quero
outra ilusão
 
mas se é sincera
tão nova história
todos já sabem
tens de mim
só devoção

Matilde

matilde

as janelas se fecham nas casas,
Matilde,
se você cospe
um irmão

as luzes se apagam na estrada,
Matilde,
se você atira
pedras num cão

os barcos se vão da praia,
Matilde,
se você tomba
ao pó a devoção

e o mundo se acaba,
Matilde,
no exato oco da sua mão

se o seu olhar
é amargo
se o seu sabor
é salobro
se o seu dizer
é escasso
se o seu estar
é inválido

e os poros colabam,
Matilde,
no convexo abraço seu

se o seu enredo
é pouco
se o arremedo
é largo
se o seu medo
é o passo

pois sem os seus dedos,
Matilde,

– eu preciso a você dizer, Matilde –

nada vai além
vazio é seu bem
você com ninguém

nem nada há,
Matilde,
nonada é
ninho vazio

e você?
ninharia

rebelião

knot
eu não moro mais na dor
eu fui embora de mim
fiz da casa em que me tinha
seu poço de saudades
anzóis na sua mão

e hoje sou tempestade
corro a cidade, nua
sou muitas, sou mil meninas
nenhuma delas, sua

me banhei nos sete mares
em todos os lugares
vivi um grande amor

e venci em novas guerras
marquei na minha terra
a minha direção

e hoje, sou só vontade
como a cidade, crua
sou tanto, sou mil meninas
nenhuma delas, sua

desenhei a minha arte
levei meu estandarte
em meio à multidão

e bebi todas as letras
com tantos argumentos
me fiz oposição

e hoje sou liberdade
tomo cidades, ruas
sou todas, sou mil meninas
nenhuma delas, sua

nunca mais, entre paredes
pensei uma pessoa
fiz disso intenção

e os grilhões de outras tantas
quebrei com nossas tranças
nossa rebelião

e hoje sou de verdade
mais do que sol, sou lua
sou tudo, com mil meninas
nenhuma delas, sua

teorema

lights

quem não se cura
com o tempo,
não vai despertar

quem não levanta
na queda
não vai mais voar

quem não comprende
o corpo
na palma da mão

quem não conhece
o gosto
do céu e do chão

não poderá
não poderá

quem foi ao mar
e voltou
depois de um furacão

quem conheceu
o silêncio
e a lei do cão

quem foi além
do que lhe ordenou
o patrão

quem se fez forte
mistura
Pará e Sertão

renascerá
renascerá

quem não se escuta
a ninguém
saberá escutar

quem não se perde
na estrada
não vai se encontrar

quem não desiste
do curso
não pode aprumar

quem não se enrola
ao mundo
não conhecerá

nem saberá
nem saberá

quem não se faz
um problema
não tem solução

quem não se mede
nas ruas
não tem direção

quem não se baila
sozinho
não vai cirandar

quem não se quebra
em pedaços
não pode amar

nem partirá
nem partirá

desajuizado

[um samba que me saiu pelas frestas]

ela não pensa quanta loucura
mora no seu coração
desvanece em madrugadas
quando sem palavras
silencia seu verão

eu me embriago então
pelas esquinas, malabares, multidão
me esparramo nas calçadas
torto e resolvido, grito em voz de batalhão

não quero mais ciranda, simplesmente
cansei de entorpecer meu coração
eu fico aqui calado e de repente
o amor vai me esquecer na solidão

ela se perde então
em labirintos pulsa o seu coração
da janela escancarada
grita o meu nome e se lança à procissão

eu desconjuro irmão
porque o desejo volta feito furacão
na avenida eu disparo
desajuizado, abraçado à ilusão

não quero mais ciranda, simplesmente
cansei de entorpecer meu coração
eu fico aqui calado e de repente
o amor vai me esquecer na solidão