sete recortes para partidas

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I
você já era tarde;
no adeus,
o alívio me fez febre

II
já não estás;
eu, farta,
vôo ao próximo verão

III
nem o fiz um aceno;
saltava, sã,
noutra estação

IV
não te vi sair;
vigiava o arroz,
ligeiro mais importante

V
tantas vezes morri;
por te apagar
brotou-me como sorrir

VI
temia as memórias;
sozinha, aprendi
a lembrar o futuro

VII
parti quando calamos;
esse silêncio, só, é
a cantiga que te fiz

se-tem-bro ser-tem-po

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o tempo é nada disso
não vem a nos devorar

não torna o amor sereno
não dilui nossas pedras
não faz das memórias ocos
e nem nos põe a pensar

o tempo, pois, não é menos
não joga no vem-e-vai

não vem pra armar o palco
não faz pra nos confortar
não muda as nossas caras
não vem cá desenganar

o tempo, então, é só brisa
que o corpo tenta inalar

pra ver o que se enxerga
morar naquilo que passa
saber onde enfim se pisa
ser um-pouco ancorar

o tempo é pura presença
vem denso assim como mar

e bate no peito em ondas
e nos lança a balançar
e assusta quem já não quer
e amarga quem já não está

o tempo é nada disso
não quer gente rarear

é contingente infinito
redor que bem sempre está
e enquanto o cabra respira
não teme nunca em faltar

sete vezes

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vivi ao
teu lado

quase-ano
de cão

tudo somou
por sete

sete vezes
mais vontade

em caça
te converti

sete vezes
mais verdade

em pelo
te conheci

sete vezes
mais saudade

aos saltos
te recebi

sete vezes
mais faminto

aos rasgos
te carcomi

sete vezes
mais espera

de raiva
me envelheci

sete vezes
mais calado

sete vezes
mais cansado

sete vezes
corpo castrado

nas luas
me perverti

até abichar
meus olhos

até desabar
em patas

até desalmar
em ladra

a poesia
que escrevi

Mirante

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ora estrelas nas ondas
ora saveiros no ar
em horizontes confusos
danço a passos em nó
de nem lá nem cá

tenho este estado de nadas
nem mesmo sei meu lugar
em todo porto um parte
porque outro um vai ficar

em cartas d’água desenho cais
mas nem há tempo de ir pra trás
de nada servem os mapas, pai
se para olhos fechados
os sóis são jamais

menino recolho as tralhas
atordoado vou me atirar
nas noites que se refazem
sou tentativas de longe
sem nada arredar

velas de vento soprar
velas do tempo apagar
velas o corpo já posto
velas o amor a filtrar

ora estrelas nas ondas
são saveiros no ar

cascas

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pois as minhas quedas são dentro
não é que não vou; não vês

que quando anoiteço
é nas esquinas do peito
que eu tropeço cansado

e que mais amargo não há
que meu silêncio em pedaços

se me amarro? confesso
é nas curvas das minhas tripas
que eu escondo os descasos

e aposto que mais fundo não há
que os poços nos quais me atiro

diário me fiz casca grossa, verdade
o tempo só me inverteu as coisas
e para cada pétala… pau

porque mais ódio não há
que no andor do caminho

enquanto hora entristeço
hora me estrepo
hora disparo

aos faros eu caço
tão incansável
o que há de
bicho e
besta

aqui

no dia de Iemanjá

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nos teus olhos
corre um rio tão fácil
de perder de vista
onde encontra o mar

no teu corpo
um remanso o tempo
onde me aposento
se quero me dar

todas as redes do mundo
todo o sertão em luar
todos os barcos que partem
no dia de Iemanjá

nos teus sonhos
eu me encontrei inteiro
eu virei passageiro
e deixei de esperar

nos teus contos
eu vi fazer a terra
onde enraízo as horas
e vou encontrar

todas as redes do mundo
todo o sertão em luar
todos os barcos que partem
no dia de Iemanjá

no dia de Iemanjá
no dis de Iemanjá

Atrevidos

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lá dentro da quaresmeira da linda mangueira
há uma obra em arte,
pitiguaris
de dorso preto
e de peito amarelo,
quase limão,
poetas de orvalho

somos Pitiguaris
cantando aqui e ali,
se a alguns só piamos,
para outros cantamos

nós somos atrevidos,
entoamos canções
que ninguém quer ouvir,
ninguém ousa sentir

se a vida é uma composição,
nela vivemos nos fios,
dançamos em altos e baixos,
pra escrever a nossa canção

mas lá na selva de pedra em dias deserto
a mangueira secou
Pitiguaris
de plumas vermelhas
e de peito aberto
quase irmãos
poetas do asfalto

somos Pitiguaris
escrevemos nos muros,
se a alguns assustamos,
outro sonho embalamos

nós somos atrevidos,
insistimos canções
que ninguém quer ouvir,
só alguns vão sentir

se a vida é uma composição,
nela vivemos nos fios,
dançamos em altos e baixos,
percorrer a nossa canção

Link para a canção

[a letra é parceria com o querido amigo Cometa; a melodia é dele]

banhos-de-mar

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e rasgam a minha pele grossa
os dias em que eu não navego
as terras de que não me perco
as luas que não vou encontrar

se me cabe acontecer no mar
o tempo no cais me des-espera
longos dias a me parir adentro
contra a maré à beira-de-estar

é tanto lastro no peito da gente
que nem todas as brisas levam
e nem todo mastro teso espaça
o nó que a gente enreda pra si

e até que a pele arrebente em litoral
vão pregos no tempo de quase zarpar
enquanto os olhos tramam dor e querer
me abrigam mudo em banhos-de-mar