uma criança

uma criança

é tudo do que

ainda não desistimos

o cansaço que não chegou

a vontade livre nas ruas

a palavra nua e simples

o tempo que não quer passar

uma criança

é o todo possível das coisas

o antes da história

a memória ao avesso

é o começo; o inverso-do-ponto

jeito mais intenso de amor

tanto passado

spiral

1
a gente é tanto o passado
história recontada de nós

a chuva que lá nos molhou
as mesas que partilhamos

as cartas que escrevemos
quem não mais retornou

2
o tempo sempre tão agora
em dobras que trago de ti

nas valsas que escutamos
o corte que não cicatrizou

todas as noites do mundo
sede fome saudade e café

3
ninguém vai embora de si
não há senão reencontros

o livro que você tanto leu
e os textos que jorram daí

longo arco pra tuas viagens
a portos nunca longe daqui

outro ano

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na sala nina ergue um castelo
toco em toco esculpindo o seu
enquanto eu corro um dia que
pudesse terminar congelado

de juliana eu ganhei nova edição
do poeta vinicius de moraes
que leio enquanto o pai arranha o violão,
Para viver um grande amor

eu procurava o que escrever
porque havia algo que precisava
falar no topo dos meus anos
mas em contracapas o poeta falara.

Para me calar em Vinicius,
e ser um silêncio da sua voz.

– e com licença e gentileza aos nossos:

“Poética II”

“Com as lágrimas do tempo
e a cal do meu dia
eu fiz o cimento
da minha poesia

E na perspectiva
da vida futura
ergui em carne viva
sua arquitetura

não sei bem se é casa
se é torre ou se é templo
(um templo sem deus…)

mas é grande e clara
pertence ao seu tempo:
– entrai, irmãos meus!”

Vinicius de Moraes

entrai, irmãos meus,
entrai

otero

o mar não vai saber vestir em ti
nem é cedo o dia em que chegaste
e não há águas que te façam uma
quando tu és vulcana de pátrias

tu segues um encontro de cores
a língua enrolada de teus pares
uma mina a escorrer maratonas
em conta da água que não te cabe

tu és um aviso atrasado de enchente
e o colo quente que a cidade perdeu
esta outra refeita em cópia bruta
lamina d’água no oco do paredão

nada, não te cabe o coito das águas
nem o vaso partido, o balde, o poço
nem o lago andino, o rio de-janeiro
nem cais nem tu nem mar nem tina

muerte

se cambió la muerte,
de un vaso roto
a un tipo oscuro de piel

que la use, así, como nada
en cada noche muda
desde que tomaste
el barco de luces
que te partió de mi.

se cambió la muerte,
en un ocaso de mi cuerpo opaco
memoria olvidada de su risa
en un corazón sin sonido y ritmo

que no tuve entonces como
una mano a remar mi sangre
pero si un camión-mezclador
a tornarme hierra
sombra de existencia.

poes sí, se cambió la muerte.
De un lejano destino de los hombres
en mí compañera de desayuno
– vacíos ojos rojos,
a preguntarme porque vivía

segunda-feira

eu vivi numa
segunda-feira
quando o vampiro
do tempo
permiti atravessar
de um cheiro de
coisa esquecida

aí desfiz as
trouchas de pedras
que pesavam meu peito,
e irmanei o vôo arisco
e sem-lá dos bem-te-vis

eu vivi em tempo
naquele dia qualquer
quando fiz
saber que meus versos
são inquilinos de mim

aí eu desenhei
espaços e colori em
verde, vermelho e será
os destinos que n’outro
dia ainda escarrava o
senhorio que não conhecia

eu vivi num
sopro breve
daquela firme estação
de um ano que
escolheu por não
mais ter fim

aí eu desfiz as
malas dos fios já
grisalhos da barba
que teima me
acompanhar no ermo
renovado do meu corpo

e vivi num som
acelerado de outra
vida que se fez chegar

no arco de uma dor
que não fez mais curva
a culminar encontros

e nas caixas que esvaziei

tudo porque era
segunda-feira no quadro
azul da minha janela,
e porque nela,
eu resolvi morar